Eskeff
Bem, meu nome é Tarcila e sou natural de Porto Alegre - RS. Aqui moro e trabalho. Eu nasci uma artista, mas durante muitos anos toda a minha criatividade ficou, digamos, cristalizada. Desde criança eu sentia que caminhava na contramão. Tinha um gosto musical duvidoso para os “padrões”, uma beleza questionável, dentro de um espectro social. Não bastasse nasci no seio de uma família bem tradicional. Sempre gostei de todas as manifestações de arte: moda, música, teatro, cinema, literatura. Nada obstante em algum momento, inconscientemente, eu trancafiei todos esses movimentos e ingressei em uma faculdade de direito, sem a menor vocação.
Ironicamente meu trabalho de conclusão de curso foi sobre “Eutanásia”, provavelmente a minha. Não contente, ainda fiz investidas na área, me aperfeiçoei e como profissão tornei-me “estudante crônica”. Por óbvio, há um momento que se a gente não pontua uma situação, a vida se encarrega. E assim aconteceu. Em meados de 2015 resolvi fazer as pazes comigo mesma e por fim parar de negociar com as minhas percepções. Tive um insight: “Vou começar a pintar”. E ali começava uma vida a ser vivida. Uma vida tendo eu como protagonista.

Eu desenho, pinto, geralmente sem esboços. Nada é premeditado, sigo o momento, uma experiência latente, um filme visto recentemente, um sonho, uma conversa, um impulso. Vale tudo: lápis, aquarela, spray, óleo, acrílico, colagens, folhas, flores, areia, fotografia. O que importa é que eu sinta afeto pelo resultado. Em tudo hoje eu preciso estar conectada.

A minha maior motivação para pintar é o sentimento de comunhão comigo mesma e liberdade que a arte me proporciona. Uma sensação de criar algo que realmente diz respeito a mim, de estar vestindo roupas que me cabem, sapatos confortáveis, nada emprestado. Eu me comunico através das tintas. Ali extravaso meus sentimentos mais genuínos, sem máscaras, sem medo. Como disse anteriormente, a inspiração vem de tudo. De uma viagem, de uma observação despretensiosa, de um filme, livro, crença, da vida, enfim.


O meu processo criativo sempre é muito mais rico quando estou só. Geralmente no meu ateliê, com meu cachorro Sammy Davis Jr (um schnauzer gigante que é todo coração), com pop rock ao fundo. Nunca sei o que dali vai sair. Não sou muito apegada ao detalhe. O meu trabalho é mais desconstruído, assim como eu. Como eu disse, eu nunca estive dentro dos padrões. Meu trabalho funciona da mesma forma. Diante deles não cabe reações imparciais. Ou tu gostas ou odeia. Sem mais.
Deixo acontecer. Não planejo. Vivo. Observo, leio muito, medito, fico muito tempo em companhia de mim mesma, durante o dia. O processo criativo, ao menos para mim, se manifesta de uma maneira muito intensa, meio explosiva. Eu não consigo trabalhar de forma organizada, colocar a tinta necessariamente na paleta. Às vezes ela é tirada do tubo mesmo, pinto com o cabo do pincel, com o dedo. Ao final até eu saio pintada. Não ficaria à vontade fazendo isto acompanhada. Perderia a naturalidade. Quando surge um tema, vários ensaios são feitos e isto pode demorar um dia de trabalho ininterrupto, com pequenas pausas.

Os meus trabalhos preferidos são as séries dos “Aristocratics Dogs and Cats” e as “Mulheres de Shakespeare”. A primeira pela carga de humor contida nos trabalhos. Eu realmente me divirto fazendo aquela bicharada contextualizada na renascença ou algum momento histórico. Aqueles olhares lânguidos, em vestes majestosas, são impagáveis. Em outra banda, temos aquelas mulheres. Fortes, desafiadoras, seculares. Eu sempre fui uma ávida leitora de Shakespeare.
O que chama atenção nas personagens femininas é que apesar de viverem em uma estrutura tão rígida, em sociedades tão patriarcais elas se insurgiram no limite de suas forças. Julieta Capuleto, apesar de ter apenas 13 anos confrontou seu pai, com o entendimento que dispunha. Cometeu um “suicídio"? Sim, porém negou se a ter um casamento arranjado. Ela apaixonou-se justamente por um Montechio (a família inimiga). Agora imagine isto numa Verona do século XVI. Assim como Lady Mcbeth que foi uma mulher que ditava as regras na corte. Sem adentrar, ao menos agora, na obra do dramaturgo, estas mulheres que viviam em uma sociedade tão repressora, elas eram muito atuantes.

O momento mais decisivo que tive foi quando resolvi dar o meu “grito de independência” abraçar o meu dom. Foi um movimento muito individual, amadurecido. Eu sempre digo que se nós não tomamos uma decisão a vida toma por nós.
Eu gosto muito de Anselm Kiefer e Van Gogh. O primeiro pela profundidade, escuridão, melancolia das suas obras. Aqueles painéis gigantes, parecem falar. Algo fascinante. Van Gogh tinha uma sede de viver incrível. Esta característica poderia ser associada ao transtorno bipolar, mas suas pinceladas eram vivas, a tinta se acumulava, enfim, uma arte que dispensa apresentações, tem alma. O meu trabalho, visto de perto é isto. Tem muita vida ali, A tinta sobrecarregada, a explosão de cores em algumas situações, já em outras a falta delas um misto de tinta e fúria. Esta é a maior influência destes dois grandes homens sobre o meu trabalho. Obviamente que este é apenas um aspecto de dois monstros consagrados, mas eu me apeguei a isto.


Eu particularmente nunca senti, mas acredito que deva existir sim, sem dúvidas.
Acho que não sou muito diferente da grande maioria. Gosto de viajar, conhecer novas culturas, ler, ir ao cinema, ficar com minha família, enfim, minha vida é bem comum.


Seguir suas próprias percepções. As opiniões, orientações são importantes e devem ser ouvidas, porém nunca é tarde lembrar: “o bom julgador é aquele que julga por si mesmo”, logo devemos sempre ser soberanos de nós mesmos. Ninguém consegue vestir a pele do outro com propriedade.
Atualmente sou residente em uma galeria em Viena, na Áustria. Em maio estarei expondo em uma grande coletiva no Museu do Louvre. Enquanto isto sigo trabalhando nas minhas mulheres no meu ateliê.
